sexta-feira, 26 de outubro de 2012

peito de passarinho

meu coração comprou o peito errado
peito pequeno, pequena caixa torácica.
não pode caber sem se espremer
sem ficar desafinado,

meu coração devia estar num leão.
de juba grande, de peito elevado
dormindo tranquilo no meio do bando
ou esperando, atento, a distração da caça.

mas meu coração imaginou ser mansinho
e foi, insistente, fabricar seu ninho.
e agora, dia após dia, apertado batia,
no peito de um passarinho.

[Fernanda]
procuro amigos que tomem café e apreciem pão com manteiga.
que aceitem, delicada e passivamente, cheiro de cigarro,
pois lembra meu benzinho.
procuro amigos que queiram me ouvir ler
porque só lendo, uma parte de mim,sempre escondida, pode sair.
procuro amigos que me vejam triste e não se incomodem que eu não ria de suas piadas.
procuro amigos que aceitem pausas e reticências.
procuro amigos pra sair de dentro de mim de vez em quando.
que venham a minha casa
que me abraçem forte
que façam carinho em mim
que me arranquem do mundo e me mostrem o mundo.
que me digam que eu ando muito chata.
que me digam que eu reclamo de tudo.

e que eu possa dizer ao pé do ouvido sempre:
eita, que eu te amo muito.

 [Fernanda]

p.s.: para meus amigos, que enchem meu peito de saudade. espero vê-los em breve.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

um chameguinho

eu quero a gentileza da poesia
e a sua beleza, delicadeza e carinho.
e quero conversar com pessoas-poesias

há que se embalar, carinhar, cultivar, chamegar
as sonoras, prolongadas e doces
palavras da nossa linda língua portuguesa.


[Fernanda]

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Porque meu bem faz aninhos

Porque meu bem faz aninhos
um raio de sol dourado
entrelaçou mil carinhos
pelo céu, de lado a lado.

Um ramo de beijos ternos
balançava sobre os ninhos
entre miosótis eternos
porque meu bem faz aninhos.

Porque meu bem faz aninhos
o rei, o valete, a sota
mais a fada e os anõezinhos
dançaram samba e gavota.

A nuvem mais cor-de-rosa
enfeitiçou-se de gatinhos
de bigode à Rui Barbosa
porque meu bem faz aninhos.

Porque meu bem faz aninhos
eu ganhei um chocolate
que tinha sete gostinhos
todos do melhor quilate.

Hoje eu brinco, pulo, canto,
assim como os passarinhos,
e mais eu canto me encanto
porque meu bem faz aninhos.

Carlos Drummond de Andrade

Do livro Poesia errante (1988)

sábado, 13 de outubro de 2012

hahahaha



essa noite eu tive um sonho

sonhei que olhava as lojas com amigas e que depois íamos fazer uma aula experimental de boxe. sonhei que ficava tarde para o ônibus e eu andava pela beira do rio, até chegar o medo e eu desistir no meio do caminho.sonhei que parava num ponto qualquer e esperava o ônibus que indicava "Peru". e eu pensei que não ficava muito longe de casa e que eu podia subir a pé a distância que faltava. sonhei que o motorista - que era o Jimmy da novela - me chamava a atenção, dizendo que, da última vez, não pagara a condução. sonhei que lamentava e que havia avisado que tinha esquecido o dinheiro. sonhei que ele me olhava com pena e o ônibus inteiro.

[pena que não lembro mais de nada, porque, sinceramente, acho que esse sonho daria um bom enredo].

sexta-feira, 5 de outubro de 2012


não vou entristecer,
'que hoje a tarde é fria e cinza e só.
não sou eu.
é lá fora que está um blues.

pequeno


parado, na soleira da porta, ele me olha.
olha, olhinhos baixos e, às vezes, atentos.
o que pensa, meu amor, enquanto me olha?

[Fernanda]

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Para e olha pra mim (Mallu Magalhães)


Para e olha pra mim
Para e deixa pra lá
Deixa eu entrar em você por algum olhar
Deixa eu gostar de você
Teus medos posso curar
Deixa eu levar tua vida pra outro lugar
Para e olha pra mim
Vê que já basta olhar
Deixa eu plantar um carinho no teu peito inquieto
P.S.: acho que tirei minha primeira música no violão. Dupla felicidade, porque é da Mallu. :D
pra ouvir a Mallu, aqui.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

canção de "mimar"

moreno meu,
do mês de outubro,
moreno meu,
tem sabor do mundo...
moreno meu,
que não se entrega jamais
e não tem dor
que o faça olhar pra trás...
moreno meu,
tem sabor de outubro,
da primavera que o vento traz,
moreno meu,
essa paz, meu mundo
moreno meu...

moreno meu, meu ai, ai de amor
é teu.

[Fernanda]

terça-feira, 28 de agosto de 2012

uma outra saudade: minha máquina de escrever


É uma pena não me lembrar da data em que ganhei minha máquina de escrever. É mesmo uma pena não tê-la dado um aniversário.  E gostaria disso porque escrever, sentindo as letras serem, assim, cravadas no papel, me faz pensar no sentimento bom de lançá-las, como flechas que se agarram ao alvo. Sim, lançá-las, golpear a pauta e poder tocar a marca do outro lado. Coisas assim perdidas com esse teclado macio, de tecnologia macia e de tela líquida. Não há aqui um desapego do moderno. Não. Sinto só não poder resgatar o dia exato em que minha mão pode tocá-la pela primeira vez – minha máquina vermelha, de segunda mão, cuidadosamente vindo à garupa do meu pai, em bolsa preta tão perfeitamente encaixada a ela - à minha, à minha, à minha máquina de escrever. Vinda de outras mãos que a deixou livre para as minhas. Eu escrevi meu nome: primeiro preto, depois vermelho . Queria eu sair datilografando como exímia datilografista, mas meus dedos lentos só sabiam namorar cada teclinha daquela, que por, muitas vezes, engoliram os pobres arrancando-lhes a cutícula. E eu soube, com minha máquina, que libertar as palavras e cravá-las no papel era difícil e, por vezes, até dolorido, mas nada poderia me fazer mais leve do que soltá-las assim, reverberando no seu estalar ansioso, um amor, uma nostalgia, um trabalho bem feito, ou mesmo só um nome, ora vermelho, ora preto.

[Fernanda]


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sinto saudade. Sinto, simplesmente. Sinto como vertigem ou doença crônica. Como enxaqueca. Sinto saudade. E não tem motivo certo, não tem lembrança certa. Eu só sinto: palpitando no peito, fechando a garganta, como quando o ônibus vai deixando longe os braços dos que acenam. E sinto-na como quem parte de um porto a outro todos os dias, deixando-os para trás: os dias. Acho que sinto saudade dos dias. Dias que me somam sempre que maio chega. 










[Fernanda]

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Filipe Catto


Paixão é palavra das boas. Enche a boca no dizer e, curta, deixa no som final a textura boa do xis seguido da maravilha de um a o til. E paixão alheia gera paixão na gente também, um contágio, uma ressonância. Filipe Catto, rapaz de voz de contratenor – seja lá o que isso de fato significa – me cheira transbordamento, enigma, pulso, pulso, pulso: paixão. Segue-se levado na voz, no ritmo, nos gestos de um poeta de letras firmes e vindas não se sabe de onde. Onde letras e músicas assim se fazem? E como nascem os poetas-músicos que dão às palavras vestes das mais refinadas?

Quer conhecer? Clique aqui.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

é preciso silenciar muitas vezes e outras:
quando, juntas, as palavras inundam a boca
e, abraçadas, tecem um grande nó.
é que no silêncio elas se apertam
e ao invés de canto, som ou prosa
viram água e sal na face do poeta.

[Fernanda]

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Petit


Dentro do cesto, na varanda,
Sob o morno sol das quatro,
Dorme, leve Petit.
Dorme leve.

Não te acorda a serra que canta lá fora
Não te acorda os cachorros que latem
Não te acorda o passarinho,
Ou, quem sabe mais tarde?
Quando a noite é fria e seus olhos são só duas pupilas dilatadas.

Leve Petit,
que peso pode ter as patas de um gato?

terça-feira, 13 de março de 2012

Erva cidreira

Ontem, à noite, antes de dormir, meu benzinho trouxe-me uma caneca de chá de erva cidreira. Logo, estava envolvida num sono maravilhoso de entrega. Aquele sono que abraça, acomoda e traz a sensação que a cama não é só cama; é um pedaço de nuvem no céu. Uma nuvem fofa, nunca atravessada por qualquer peso. Lá estava eu, entregue. Descansando a caneta na mesa dura, tão oposta ao céu, tão oposta à nuvem. E no último pensamento, daquele que a gente se recorda fracamente, antes do sono levar, estive pensando na boa energia da erva cidreira. E pensei no seu ramo áspero, tão antagônico à sua delicadeza química, na sua beleza simples (folhas compridas e curvadas como toda gente comprida), no seu cheiro cítrico, que me envolve sempre quando estou lá na varanda, deitada na rede, olhando para minha horta gentil. E é esse cheiro também que me acalma e embala, como colo de mãe. E de minha mãe também lembro porque ela sempre vinha com o tal chazinho em momentos da minha muito conhecida ansiedade. Lá na minha casa natal havia um tufo grande dela. E aqui, na minha nova casinha, seu ramo tem umas 5 ou 6 folhinhas (compridas e curvadas como toda gente comprida).
E, neste levar do sono, deixando minha mão vazia de caneta, meu peito foi se enchendo da leveza que só as cidreiras têm.

[Fernanda]

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

sobre os gatos, finalmente.















Eu nunca tive um gato.
Peludo, misterioso, elegante e de olhos verdes.
Eu nunca pensei em nomes de gatos
e nem devo tê-los desenhado quando criança.

Muito provavelmente, um dia terei um gato.
Peludo, misterioso, elegante e de olhos verdes
E seu nome será Petit, bem clichê
E de vez em quando, o chamarei Petit Gateau, só para irritá-lo.

Há um complô dos gatos, eu sei.
Sei que percebem pessoas insensíveis a sua presença
e seduzem-na.
[Aqui estou eu, escrevendo sobre eles].

Gatos. Ontem eu comprei um livro sobre eles.
E faz uma semana, sonhei com um.
Peludo, misterioso, elegante e de olhos verdes.
E, agora, vou pedir um para meu benzinho.

Ele se chamará Petit
Ele me arranhará
Eu fingirei ser indiferente a ele
Ele se enroscará nos meus pés...

e me convencerá de que sou eu,
que sou dele.


P.S.: a gravura é do artista Theóphile Alexandre Steinlen (1859-1923), que adorava gatos.